Suspensão da CNH e retenção do passaporte no caso de inadimplemento na execução trabalhista

O processo judicial é composto por diferentes fases. O processo associado ao trabalho, em particular, é constituído, primordialmente, pelas fases de conhecimento, liquidação e, por fim, de execução. O pagamento das verbas pleiteadas é, possivelmente, o momento mais aguardado pelos autores do processo, sendo certo que, na maior parte das vezes, tal episódio ocorre na etapa da execução.

No caso da execução trabalhista, ela tem seu início quando o magistrado condena a empresa ao pagamento do montante definido na fase de liquidação e o devedor não procede com o adimplemento de forma espontânea. A execução, ainda, pode ocorrer quando se é firmado um acordo entre as partes, contudo, quando o devedor não realiza o pagamento dos valores acordados. Nesse sentido, resta evidenciado que a execução se dará em decorrência de um descumprimento pecuniário pela parte devedora.

A fim de se organizar e regulamentar a fase de execução, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece alguns parâmetros, seja para definir quais são os bens passíveis de constrição, ou seja, até mesmo, para determinar a ordem de preferência da penhora de bens. O Código de Processo Civil (CPC) é muito utilizado nesta etapa.

O artigo 835 do CPC, por exemplo, o qual é aplicado de forma subsidiária à seara trabalhista, estabelece a ordem de preferência no momento da penhora de bens. Disposto no inciso I do artigo mencionado, o dinheiro, seja em espécie ou seja em depósito em instituições financeiras, é a principal forma de penhora. Seguido dele, é possível se verificar títulos da dívida pública, títulos e valores imobiliários, veículos terrestres, imóveis e, até mesmo, pedras e metais preciosos.

Cenário muito frequente na Justiça do Trabalho é o da empresa figurando no polo passivo da ação, isto é, a empresa sendo o agente processado. Isso significa que, em um primeiro momento, a pesquisa de possíveis bens recairá sobre o patrimônio da própria empresa, não existindo qualquer implicação dos sócios envolvidos neste momento. Ocorre que, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 855-A, prevê a existência do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

No caso, desconsiderar a personalidade jurídica, de forma simplificada, significa ter a barreira patrimonial da empresa quebrada, resultando na participação dos sócios e de seus respectivos bens na execução trabalhista. Diferentemente do que informado anteriormente, nesta etapa, os sócios não se encontram mais protegidos e participarão, ativamente, de qualquer constrição patrimonial que ocorrer no desenrolar processual. O sócio passa, portanto, a também integrar o polo passivo da ação e a pesquisa de bens respeitará a mesma ordem definida pelo CPC. Caso nenhuma das pesquisas se revele frutífera, o CPC prevê, também, as medidas coercitivas.

Prevista pelo artigo 139, IV do CPC, as medidas coercitivas mencionadas são meios atípicos que tem como objetivo atingir o devedor de forma a causar algum incômodo capaz de obrigá-lo a proceder com a satisfação do quanto devido. É importante ressaltar que as medidas coercitivas não são estabelecidas pela lei, logo, dependem do pedido e da criatividade do credor, o agente que tenta receber.

É, nessas circunstâncias, que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e, até mesmo, a retenção do passaporte são consideradas pelas partes envolvidas no litígio. Após muitas tentativas frustradas de tentar receber os valores devidos, a possibilidade de um método que, possivelmente, causará prejuízo ao devedor ao ponto de fazer com que ele proceda com o pagamento se revela como uma medida interessante. Pode-se dizer, ainda, que a recente jurisprudência vem consolidando o entendimento de que tais medidas poderão, sim, ser implementadas na prática processual, já que, até o próprio Tribunal Superior do Trabalho, permitiu tal ação.

Recente decisão do TST reforça a possibilidade da efetivação das medidas

Embora muitos juízes venham indeferindo os pedidos que versem sobre a suspensão da CNH e retenção do passaporte sob o fundamento de violação de direitos constitucionais, recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho reforça a possibilidade de tal prática nas execuções trabalhistas.

Na caso em tela, a 1ª Vara do Trabalho de Foz do Iguaçu/PF deferiu o pedido realizado pelo autor da ação, que consistia na suspensão da CNH de um dos sócios da empresa ré. Inconformado com a decisão, o sócio atingido impetrou com mandado de segurança na tentativa de reverter o que fora deferido pelo magistrado, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região manteve a decisão inalterada.

Mais uma vez insatisfeito com a medida, houve a interposição de recurso ordinário. A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou a medida recursal apresentado pelo sócio e decidiu que a medida coercitiva era válida diante da reincidente postura do sócio em dificultar o pagamento dos valores devidos. A decisão se fundamentou no artigo 139, IV do CPC, já mencionado anteriormente.

Existir a anuência de tal ato por órgão tão elevado e extremamente importante para o direito brasileiro, resulta na possibilidade de uma maior utilização de tal medida pelos demais aplicadores do direito em nosso país. Isso significa que pode existir uma solidificação e crescimento de decisões favoráveis a suspensão da CNH e da retenção do passaporte de sócios inadimplentes.

Devo me preocupar com a medida?

Proceder com o pagamento dos valores devidos é sempre a melhor forma de evitar futuras complicações patrimoniais. Ocorre que, caso o Executado seja inadimplente e a execução trabalhista seja iniciada, existe a ordem de preferência de penhora de bens, que prevê inúmeras possibilidades e tentativas de resolver a situação antes de partir para medidas mais drásticas.

A suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte são determinações que podem vir a existir em um processo que há muito tempo esteja na fase de execução na procura de bens sem sucesso e, também, sem qualquer auxílio da empresa ré na reversão da situação. Essas são medidas pouco utilizadas no Poder Judiciário brasileiro, mas são capazes de resultar em enorme prejuízo para a vítima de tal decisão.

Caso a empresa dificulte a satisfação dos valores devidos ao reclamante, a medida pode sim ser aplicada e a recente decisão do TST reforça ainda mais tal probabilidade. Sendo assim, o cenário mais correto é o da realização do pagamento no momento oportuno determinado pelo magistrado ou, caso a empresa não possua patrimônio capaz de saldar a dívida, pode-se nomear bens à penhora.

A solução não é dificultar as pesquisas realizadas pelo credor ao ponto de retardar o recebimento dos valores devidos, mas sim a de respeitar as decisões judiciais e proceder com o pagamento no momento correto, evitando complicações futuras não só para a empresa, mas também para os integrantes do quadro societário.

Ricardo Jordão Santos

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